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Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)

15 outubro, 2014

Os Nossos Tempos

Juntaram-se na minha secretária, mera coincidência e convívio bom, o livro de Vargas Llosa, A Civilização do Espectáculo, e a tradução para português da obra de Gilles Lipovetsky, com a colaboração de Jean Serroy, (L’Esthétisation du Monde), O Capitalismo Estético na Era da Globalização. O Capitalismo Estético é apenas uma continuação da obra anterior de Lipovetsky: uma antropologia social, descrevendo as estruturas que fazem da obra de arte contemporânea um elemento importante no circuito internacional do capitalismo. E aqui entram em jogo muitos agentes que não faziam parte do jogo da arte: os políticos e ideologias, os mercados, o real valor das obras e o seu valor comercial. Como em qualquer venda, ninguém quer perder. Mas há sempre perdas a relatar, agora que a obra de arte é vista na era da globalização. O espetáculo tem que continuar e a isso serve a estetização do mundo. O mundo está cheio de objetos estéticos e a sua serventia deixou para trás o problema estético para se fixar no valor de troca e circulação. Estas obras  são herdeiras de muitas que surgiram depois da segunda metade do século XIX, quando a modernidade se começou a interessar pelo tempo e pela história. E quando a tecnologia e a técnica aceleraram os seus processos de controlo e de distanciação do homem, ou desnaturalização: entre o homem e o real há agora mediadores. O fétiche e a fantasmagoria (de Marx e Benjamin) são aqui importantes para entendermos o nosso presente; depois veio Adorno e a mercadoria (e também a «infantilização» da produção e recepção musical: On the Fetish-Character in Music and the Regression of Listening); e Debord e os situacionistas. O que Vargas Llosa nos diz, em crónicas publicadas e que são a base do seu livro, é que o problema da arte é também o problema do homem e da sociedade ocidental que fizemos. A sociedade transparente que muitos querem constituir como a potência máxima da democracia é apenas um vidro transparente que não permite ver-nos, a não ser quando algo acontece em quem respira e fica embaciado. Mesmo assim não nos vemos, nem o que fica além desse vidro: vimos o que escrevemos ou desenhamos, até que a total transparência volte. Se deixamos de nos ver e o real não se atinge, é apenas uma imagem, então nós, como objetos, transformamo-nos em fantasmas. É preciso gritar isso bem alto. E esse grito dá em arte, infantilidades, fetishismo e esmagamento moral. A solução é retirar essa transparência para que possamos ver os outros e neles, nos seus olhos, o nosso rosto. Talvez Lévinas tenha razão.

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