Juntaram-se na minha secretária, mera
coincidência e convívio bom, o livro de Vargas Llosa, A Civilização do Espectáculo, e a tradução para português da obra
de Gilles Lipovetsky, com a colaboração de Jean Serroy, (L’Esthétisation du Monde), O
Capitalismo Estético na Era da Globalização. O Capitalismo Estético é
apenas uma continuação da obra anterior de Lipovetsky: uma antropologia social,
descrevendo as estruturas que fazem da obra de arte contemporânea um elemento
importante no circuito internacional do capitalismo. E aqui entram em jogo
muitos agentes que não faziam parte do jogo da arte: os políticos e ideologias,
os mercados, o real valor das obras e o seu valor comercial. Como em qualquer venda,
ninguém quer perder. Mas há sempre perdas a relatar, agora que a obra de arte é
vista na era da globalização. O espetáculo tem que continuar e a isso serve a
estetização do mundo. O mundo está cheio de objetos estéticos e a sua serventia
deixou para trás o problema estético para se fixar no valor de troca e circulação.
Estas obras são herdeiras de muitas que surgiram depois da segunda metade
do século XIX, quando a modernidade se começou a interessar pelo tempo e pela
história. E quando a tecnologia e a técnica aceleraram os seus processos de
controlo e de distanciação do homem, ou desnaturalização: entre o homem e o
real há agora mediadores. O fétiche e a fantasmagoria (de Marx e Benjamin) são
aqui importantes para entendermos o nosso presente; depois veio Adorno e a
mercadoria (e também a «infantilização» da produção e recepção musical: On the Fetish-Character in Music and the
Regression of Listening); e Debord e os situacionistas. O que Vargas Llosa
nos diz, em crónicas publicadas e que são a base do seu livro, é que o problema
da arte é também o problema do homem e da sociedade ocidental que fizemos. A
sociedade transparente que muitos querem constituir como a potência máxima da
democracia é apenas um vidro transparente que não permite ver-nos, a não ser
quando algo acontece em quem respira e fica embaciado. Mesmo assim não nos
vemos, nem o que fica além desse vidro: vimos o que escrevemos ou desenhamos,
até que a total transparência volte. Se deixamos de nos ver e o real não se
atinge, é apenas uma imagem, então nós, como objetos, transformamo-nos em
fantasmas. É preciso gritar isso bem alto. E esse grito dá em arte,
infantilidades, fetishismo e esmagamento moral. A solução é retirar essa
transparência para que possamos ver os outros e neles, nos seus olhos, o nosso
rosto. Talvez Lévinas tenha razão.
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Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)
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