Li esta noite a última obra de
Rui Nunes: um livrinho com pouco mais de 30 páginas, publicado pela Língua
Morta. (ou, transigindo, de que lado
passarás a morrer, a clarear?). Esta pequena narrativa trata a morte de
alguém que viveu numa cidade portuária. Sabemos isso pela descrição de ofícios,
barcos e um porto. Para além desta morte, há o que a funda: o preconceito
homofóbico. É uma descrição dura como sempre na obra de Rui Nunes: minuciosa
nos actos e nos elementos que compõem o seu desenvolvimento. Tem uma unidade
própria já que o fio condutor se ergue a partir da deambulação de uma espécie
de espectro. Falo de espectro porque muitas personagens de Rui Nunes (e esta
parece ter realmente existido) têm uma assinatura que parece ter nascido com
elas, que lhe foi aposta: a morte e a dor são parte delas, como se fizessem
parte do seu carácter e do seu sangue. Há sempre na obra de Rui Nunes uma
dimensão ética que não encontramos na maioria da obra literária contemporânea.
Há muito que deixou a história como condutora de um modo de constituir o seu
discurso e o ponto de vista sobre o mundo. Fazemos o nosso ponto de vista sobre
a obra, enquanto leitores, porque somos forçados a uma construção e
desconstrução dos processos narrativos mas também dos modos de olhar o sujeito.
É a condição humana e as suas margens que brotam do centro dos seus livros.
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Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)
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