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Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)

01 maio, 2006

Sobre Uma Tradução

(Escrevo isto com desgosto)
A editora Casa das Letras acaba de lançar no mercado português uma obra de ficção de Peter Handke (autor austríaco). O título do romance In einer dunklen nacht ging ich aus meinem stillen haus, vertido para português em Numa Noite Escura Saí da Minha Casa Silenciosa, é retirado do poema de S. João da Cruz, Noite Escura, traduzido por José Bento (S.João da Cruz , Poesias Completas, Assírio e Alvim, Lisboa, 1990, pg.33). Compare-se o título com a tradução e vão perceber o que encontram lá dentro: Em uma noite escura / com ânsias, em amores inflamada, / oh ditosa ventura!, / saí sem ser notada, / estando minha casa sossegada.
Quis saber do tradutor. Procurei em todo o livro e nada, apenas o nome de uma revisora. Depreendo que esta tradução foi feita por uma máquina. E depois é ver um acumular de erros que faz de Handke um mau escritor, coisa que ele nunca foi. Veja-se, ao acaso:
«no tempo em que decorre esta história, Taxham estava quase esquecida. A maioria dos habitantes da cidade de Salzburgo, que ficava próxima, não poderia dizer onde se situava a localidade.»
«ao contrário de todas as outras localidades da região, estava privada de quaisquer visitas, tanto vindas de perto como de qualquer sítio distante».
«mesmo sendo esse, ou não, o seu feitio»
«Apesar de se situar numa vasta planície e perto de uma grande cidade, tinha algo de acampamento militar, e de facto existiam nas redondezas, próximo da fronteira alemã, três quartéis, um dos quais na sua periferia.»
«O farmacêutico tinha ainda uma filha, que há pouco, desde a conclusão do curso, trabalhava com ele, mas que durante o Verão, juntamente com o namorado, também farmacêutico e, para além disso –uma novidade no clã! -, físico, tinha saído da «ilha deserta, ido para uma outra localidade diferente».
E para acabar:
««Já cai neve!», disse um de nós os dois»
«E agora surgia finalmente o primeiro pássaro, naquela manhã, um corvo gordo…»

Não há uma página que escape. Para os leitores de Peter Handke: esqueçam esta tradução.