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Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)

07 setembro, 2010

Saul Bellow


A editora Quertzal iniciou a publicação das obras deste prémio nobel com «Morrem mais de Mágoa»/More Die of Heartbreak. Um livro precioso. Há um centro, personagem-narrador, que ao longo das 430 páginas vai convocando a convivência com o seu tio materno, destruindo territórios narrativos clássicos e tornando acentrado um mapa povoado de afectos, vidas e cidades.

A ler obrigatoriamente.

O Sentido Flutuante da Poesia


Autor: Luis Quintais

Título:Riscava a Palavra Dor no Quadro Negro

Editora-ano: Ed. Cotovia-2010


Passado o tempo de Verão, que é sempre uma boa justificação para a preguiça, volto com mais uma leitura. É sobre a sua última recolha de poemas do poeta português Luís Quintais (1968), a que deu o título Riscava a Palavra Dor no Quadro Negro. Este poeta já nos habituou a um enunciado detalhado das feridas que considera sistematicamente abertas no quotidiano. Só que desta vez, num registo mais rente ao dia, Quintais avança, em 33 poemas e 1 prólogo, por um enunciado furtivo do que no indivíduo se opõe à construção do actual, optando, por vezes, pela intuição do que seria preferível a este actual: o artificial, que também aqui é humano, é um lugar do real que afasta para sempre o sintoma do que é natural.
A repetição é a acção que o poeta mais encontra neste actual. Uma repetição em segmento, e não em circuito fechado, que se aproxima, no fim da linha, da queda ou do abismo. Esta repetição devora, no que constrói, a própria linguagem, indagando, assim, «o que podemos projectar agora?» (pg.13). Unindo esta projecção a uma salvação, que poderia estar, noutros contextos, na poesia, o poeta apercebe-se que essa união desilude, já que tudo o que ainda poderia salvar «é um eco do que salva» (pg.17). Este eco é também a repetição. Mas o eco é uma forma sempre distinta no espaço e no tempo, irrepetível enquanto objecto. Quando o eco é sinónimo de repetição, a metáfora tangível de uma fonte, então ele contamina todos os passos, os lugares (mesmo da linguagem) e a própria memória que se torna um eco em retrocesso. E a própria linguagem deixa-se invadir por esse eco, semanticamente desossado, como neste verso: «A mente não é a mente não é a mente» (pg.24). Por isso neste actual «tudo são máquinas» que invadem qualquer pretensão a ter uma biografia de afectos (supomos).
Dos afectos em queda, como pingos no fim da linha, chega-se à crença. E também esta, «coisa mental» (pg.40), constituiu-se aqui em linguagem, desacreditada, que tudo atinge, incluindo a poesia: o que procurava a carne encontrou palavras (Brodsky) e ficou suja.
Pode ainda haver salvação perante a iminente catástrofe da substância aqui tratada? Pode, pela ligação dos sentidos ao mundo, «rente ao chão». Mas mesmo aqui o que se repete é «o metálico som da cidade» (pg.41). Sempre, para o poeta, «a indigência do real quotidiano [que] merece reprovação e fuga».
Se o poeta se serve das palavras (ou são formas escolhidas) para a construção de «uma ideia de ordem» (pg.52), há que ultrapassar também esta noção de ordem que ainda subsiste no segmento onde se projecta o actual e o possível. Esta ultrapassagem talvez por fim nos conduza a esse «sentido flutuante da poesia» (pg.52). Um livro para ler e reflectir.