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Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)

25 agosto, 2007

Um Adeus a EPC


Comecei a lê-lo há mais de vinte e cinco anos. Tínhamos autores comuns dos quais fomos fervorosos leitores. Este pretérito dói. Foi meu professor e fez parte do júri da minha dissertação de mestrado. Fiquei a dever-lhe um almoço. Tive oportunidade de lho pagar e não o fiz. O Eduardo Prado Coelho era muito novo, novo como todos os dias. Dá-me saudades saber que não posso falar dele como se estivesse vivo. Lia como poucos, sabia ler. Encontrava quase sempre um traçado que nos punha a caminhar, lado a lado, com a escrita. E depois amava como poucos tudo o que os homens fazem para sobreviver, e nisso incluo a arte. Deixou um lugar que vai demorar algum tempo a ser ocupado. Vamo-nos encontrando por aí:
«o poema existe em si mesmo, como evidência exclusiva. Não é forçosamente comunicação, mas algo que nos toca. O mais importante no mundo: tu e alguma poesia. Mas tu és sempre a poesia em si mesma.» (de uma crónica no Público).

21 agosto, 2007

O QUE SOBROU


1-8-2007
O futuro não se sabe. O tempo não conhece ninguém. É este o grande problema.

2-8-2007
Há uma película fina e transparente que cobre a superfície do mundo. Para alguns, deve ter sido deus a tricotar, nas horas do seu ócio eterno, esta fina camada entre os homens e o mundo; para outros está neles essa película e envolve todos os seus sentidos.

3-8-2007
Dou um salto grande. A terra treme mas não cede.
Voltarei a tentar mais tarde. Sinto que está instável.

4-08-2007
As paisagens sonham-se dentro desta tarde de Agosto.
As imagens fogem da literatura.

7-08-2007
Escrever palavras, com um dedo de criança
para ficarem soltas no ar, «como alegria e mundo».
Escrever outras menos precisas, «como amor»,
só por descuido,
pois muitas mirram e morrem
sugadas pelo ar da manhã.

Mas o homem não sabe escrever de outro modo.
Nunca teve outro utensílio
apenas o dedo indicador com que desenha
as letras bonitas e redondas
que viu nos livros da casa.

«Desenhar casa», lembrou-se
e surgiu uma cidade
mistura de outras cidades do Sul.

Olhou para onde nunca esteve
e esperou que o ar a engolisse por inteiro.

17-08-2007
Algumas vezes somos iludidos
ao pedir coisas fundadas no silêncio*
quando o fundo é ruído.

Talvez se salve o pedido
com as suas palavras todas
sopradas para o devir imenso
que é uma boca de beijos mecânicos.

* Deixai-me com as coisas
Fundadas no silêncio. (Sophia de Mello Breyner Andresen)

18-08-2007
E lá mais para a frente pedirei vinho branco
para que me chegue novamente
o Verão à boca,
e assim possa beijar
«com os lábios de menino que regressa,
este mundo tão velho»
(dizia Francisco Brines).