Etiquetas

Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)

01 junho, 2012

Em memória da minha filha Francisca

Tal como há dez anos também agora as cerejas se mostram vermelhas nas árvores. Vêem-se ao longe, dos caminhos que nesse dia não chegamos a percorrer. Ficamos muito antes quando ela já levava a brincadeira nelas: correr entre as cerejeiras, chegar aos ramos que dão para os cinco anos; dizer «papá posso comer assim?». E eu a dizer que é preciso lavar. Ela conhecia bem o sítio da água.


Inquieta como sempre queria chegar antes de termos começado a viagem. Inquieta de luz. Que via a sua inocência que nós não vemos? «Posso andar no tractor do tio?» perguntava a Maria, e ela que não. Mas foi só da primeira vez. Depois quis subir. Sentiu o que é a brisa que atravessa a Gardunha e o cheiro forte das árvores. Nesse ano não. Ficou-se distraída num lugar da estrada, naquela por onde poucos já passam. E todos os anos nesta época é assim, e todos os dias é assim: nasce um pomar de cerejeiras só para ela, com água fresca e tudo. E nasce em mim uma árvore às avessas que é só dor.

Mas Francisca, já não existe a quinta, por lá passa agora um túnel húmido e sombrio, cortaram todas as cerejeiras. E também a água foi levada para outros lados. E a vida.