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Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)

14 março, 2010

Um problema ou a solução


Um Toldo Vermelho

Joaquim Manuel Magalhães

Relógio d'Água


Trabalharão com as palavras que lhes deixas,
Perguntarão os sentidos.
Ninguém mais escutará tua voz como tu a ouviste.
Assim errando falarão de ti
(Consequência do Lugar, pg.54)

Muitos têm revisitado a sua obra provocando ligeiras alterações no que tinha sido publicado, lembro-me de Teixeira de Pascoaes; outros têm encurtado a obra com alterações, lembro-me de Herberto Hélder. Mas em Joaquim Manuel Magalhães nenhuma destas hipóteses é viável com a publicação de «Um Toldo Amarelo» que, em nota do autor, substitui toda a obra anterior. Só que não há a possibilidade do confronto deste livro com os poemas anteriores do poeta.
O que é que a palavra nos pode ainda dizer? O que vem da necessidade e da convenção. Mas se cessa a necessidade, a convenção é um acordo que não serve a ninguém, muito menos ao autor. Fica só a palavra, milhões de vezes repetida nas vozes de outrora, que já não soa (apenas na gravação), e nos livros. Essa palavra unida a outras serviu batalhas, serviu o humano, foi domesticada (assim se pensava). Há sempre um tempo em que se tem que afastar, ficando só da batalha a substância, que não tem sentido, não pode ter, a não ser no instante em que se vê uma e outra vez. E no meio do silêncio, uma cesura onde a palavra ressoa sem carne, apenas halo, apenas o primeiro e último sopro que a insuflou quando foi. Temos esse direito mas não a sei comunicável, partilhável, em livro.
Mas se há esse desejo de tudo descerzir, de deixar os buracos para se ver outro espelho, de não remendar, ou melhor, de retirar do tecido-texto o que serviu à alfaiataria, para ficar apenas o osso, que mal há nisso? É o desejo oficiante. Descarnado, o poema mostra apenas a extinção, a dor e a morte (e o som), e no singular poeta o abandono da tarefa de marcar com sinais um percurso secular, nele de desencanto, que desejava outro. Real. Dói ver a vida posta em esqueleto sibilante com pouco do que faz os dias serem mais dolentes, representativos porém de uma passagem.Fica por conhecer o porquê deste problema (ou solução). Adivinho

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