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Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)

20 julho, 2009

Paul Celan é o início de alguma coisa



(Albrecht DÜRER- Melancolia)

A morte alimenta-se de alegria e a alegria é um caule que a eleva cada vez mais alto até ser sombra em todas as casas. [A morte de Celan começou muito antes essa sombra. Começou por dentro; à sombra da língua, na sombra que as palavras fazem quando as escrevemos e as olhamos de todos os lados. Todos encontramos na leitura uma sombra de verão mas Celan tocava a morte nessa sombra].

Todas as palavras têm uma história. E mesmo as palavras mais simples, como Zeit, têm a dor das águas fundas (do Sena, talvez). Mas não só: também o que releva do não visível, a olho nu, e o que tocam as mãos deixa o coração perdido em despedidas. Mesmo assim o que resta do que se queima – que são todas as palavras em que acreditamos – tem como flor uma «cinza branca», que é o olhar do silêncio. Há uma palavra ainda. Sem grafia. «Sobre verde carregado»: a janela é uma evasão, um «rasto luminoso» de vida e uma mão a chamar-me. [Celan diz mãe antes do último gole de água suja].

O mundo não tem superfície que sirva à mão, volume para uma carícia no tempo. A superfície está sempre presente no olhar, nos caminhos que percorremos em distracção. Só o deserto tem vida, o deserto que o «azul inunda», até ser desperdício o pensar. [Ó mãe, por que escrevem eles poemas na minha língua? A palavra mãe, ou amor, tinha que soar do mesmo modo que a minha? Tem que ser igual a gramática dos assassinos?].
Crescemos como queremos nas palavras: pele com pele, casca com casca até à sem idade. Tudo é um grito pela existência e por um sentido.

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