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Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)

20 julho, 2009

O Trivial e a Tragédia


(Athanasius Kircher, Musurgia universalis (1650))
Tal como a imagem tem produzido ao longo dos tempos um bloqueio na diversão emocional, ao constituir-se numa transparência que é, em muitos aspectos, nefasta ao entendimento do que lhe está à frente, também a vida contemporânea – apoiada nesta transparência – vem sendo ocupada pela trivialização.
O trivial e a transparência não pertencem ao mesmo campo semântico mas são ambas consequência de uma «secura» que se instalou na relação humana; uma secura (na maioria das vezes óptica) que esteriliza o lugar das possibilidades de um acrescento do mundo a partir do que sustenta o explícito. Só a obsessão significante destas duas palavras (transparente e trivial) tem produzido livros e leituras que vão de encontro ao progresso da arte.
Desconstruir – verbo usado aqui longe de qualquer construção filosófica – foi sempre o caminho da metáfora artística. E este caminho, embora se pense ilusório e simulado, não é mais do que uma aproximação e identificação do que sustenta a representação (numa pintura ou num romance, por exemplo). O que observamos cronologicamente, do início do moderno ao contemporâneo, é um percurso da imagem para o que a sustenta (a cor e a palavra, por exemplo). Assim se fez a melhor arte do século passado. Só que este percurso não foi feito por todos, pelo menos aqueles que utilizam a hegemonia da visão, obrigando a que as coisas denotem histórias, linearidades, em suma, harmonia.
Se os olhos não pretendem sair desta linearidade, o nosso cérebro há muito dela saiu. Contar uma história como o faziam os nossos clássicos parece ser, à chegada, uma ilusão sustentada pela trivialidade e, na maioria dos casos, pela excessiva transparência que convoca a opacidade: a potência da transparência do objecto embate no que é opaco.

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