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Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)

15 março, 2006

O Trânsito da Pintura



(para uma exposição de Ezequiel)

Desejamos ser voláteis enquanto a mão se afunda na tinta, na cor que é o enigma da terra, pois sua superfície. O pincel do pintor não é mais que um dedo hábil [táctil], robótico, dessa veia de cores que se levanta e distingue. Nada há a dizer aos olhos. Também eles livres procuram a fonte que é a mesma do pincel; olhos independentes que chocam com uma emoção ou, talvez e apenas, a vertigem do crescimento desregrado. E contra este desregramento natural o pintor nada mais pode fazer que “enquadrar” [entaipar] a pintura para que esta não absorva o mundo como um espelho e o multiplique.
O quadro quer ser Outro, e se não em-si, nos sinais que nele abundam, seja no aparelho de circulação da cor, seja nos óvulos solitários e entumecidos que estão prestes a rebentar na visão, como uma bactéria, contaminando. Por estranho que pareça a pintura quer pertencer-nos, negando, no movimento, a profundidade, abeirando-se da superfície colorida como bolhas que rebentam no fundo dos nossos olhos.
Há, nesta pintura, uma espécie de jogo cujo objecto é o desejo a fracassar mas mesmo assim a querer tornar-se potente em nós.
Quando caminharmos ao encontro das telas, olhando-as de frente ou de través, o traço em novelo esconde um olho, uma espécie de buraco negro.

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