Etiquetas

Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)

19 junho, 2010

Vai na passarola


A morte de um escritor que ocupa um bom pedaço da nossa estante deixa-nos sempre tristes. Mas mais triste fico em pensar que já não vamos descobrir por esse autor mais mundo, mais sonoridades, outras narrativas e novas formas de reconstruir essa pele do mundo que é a literatura. Acompanhava a obra de José Saramago há muito. Gostei muito de alguns livros e pouco de outros. Mesmo nestes encontrava sempre uma ou outra frase que os salvava e por isso ficaram ao lado dos que, nalgumas épocas da minha vida, me ajudaram a descobrir geografias, tempos e afectos. A Praça de Camões, em Lisboa, nunca mais foi a mesma depois do Ano da Morte de Ricardo Reis, nem o Convento e a praça de Mafra, depois do mais celebrado e estudado romance deste Nobel Português. Também o Alentejo ganhou com o Levantado do Chão. E toda a escrita de Saramago, e a sua leitura, seriam outras, sem o Manual de Pintura e Caligrafia; e a percepção da dor seria menor sem O Ensaio sobre a Cegueira.
Saramago morreu ontem. Dizem que já se esperava. A última vez que o vi parecia trazer um corpo a sumir-se, a querer ir-se para o pó a que todos pertencemos.
Pertenço àquela comunidade de leitores que têm sempre autores na mira; que esperam a notícia de novo livro e correm à livraria para o comprar. Olhando agora para as estantes parece que já sobram poucos. Envelhecer não é só cheirar a morte em cada madrugada, é não podermos acrescentar mais livros ao nome dos que gostamos.
Pois aqui vai então um adeus português: até sempre José Saramago.

Sem comentários: