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Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)

09 fevereiro, 2010

O OLHO e a PINTURA



Os homens reunidos na caverna começaram por achar estranhos aqueles traços na pedra. Porque lhe eram singulares e como eles em diáspora. Mas o autor quis que fossem ali gravadas cenas da vida quotidiana. E ele nada achou de estranho neste ofício e no que fazia. Apenas os outros, os que estavam atrás e lhe admiravam a perícia, ficaram encantados com a solução encontrada para o passado da visão. A contínua representação do mundo pela visão, através do braço e mão do artista ou do olho dos espectadores, é apenas a forma com que o humano consegue identificar o passado e constituir fora da visão a memória do que lhe escapa: um sonho fora de si, foi isto que aquela cabeça na caverna pensou depois de admirar o que tinha feito. E depois, quando passou com a mão pelos traços soube que esse sonho estava ali, bem como uma história. Os outros apenas se arrepiaram com o traçado que o sílex fez. Mas alguns acharam «aquilo» bonito. Ver e fazer são assim tarefas distintas na arte: o espanto de um lado, o espírito do olho no outro.
Li num jovem poeta espanhol, agora traduzido para português [Mariano Peyrou, O Discurso Opcional Obrigatório, Trad. de Manuel de Freitas com prefácio de José Ángel Cilleruello, Averno, 2009], uma outra forma de dizer o que atrás expus:

A maior aventura é levantarmo-nos
e desenhar um ser humano nas paredes
da caverna, tocar com as novas mãos
a diferença entre objecto e a sua
representação, derramar e beber a
criação do conceito.

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