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Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)

15 setembro, 2009





Numa tradução do poeta e crítico Manuel de Freitas, chega-nos de Espanha (pela mão da Averno) o livro A Caixa Negra que Josep M. Rodríguez (Barcelona, 1976) tinha editado em 2004.
Os poemas que compõem este livro inscrevem-se do lado da leveza, pelo menos do lado da substância que lhe é par ou nos conduz a substâncias que pela sua aparente ou real leveza raiam a invisibilidade. A neve, a escuridão, o obscuro, a luz e o tempo correm sobre um carril poético que a todo o momento se eleva para lá das marcações do real.
A voz poética, essa entidade não instrumental, que se enche de linguagem e se esvazia em poema, confronta-se, sobretudo depois da década de cinquenta do século passado (e mais agudamente depois dos anos oitenta do mesmo século) entre ser um dispositivo narratológico de reconstrução da realidade, unindo a história da língua a cada palavra, e um decalque, em linguagem, de um real que se mimetiza a todo o instante no poema.
Este decalque na leitura inaugura uma qualidade que diminui muitas vezes o poema, já que obriga o leitor a focar-se num referente que, diluindo-se a todo o instante no sujeito-autor, acaba por distrair.

«O autocarro afasta-se
e a praça é uma aranha de seis patas»

ou

«Fechado e mim mesmo,
sem portas de entrada ou saída»

E gostei muito do poema No Impreciso, Incompleto, que aqui deixo na versão portuguesa, por encontrar nele os ingredientes da arte poética deste poeta espanhol.

Sentado à mesa
parto o pão com as mãos

e a toalha
enche-se de migalhas,
como se algo nesse gesto escapasse ao próprio gesto.

Há sempre perda:
até mesmo agora
uma parte de mim não me pertence.

Lá fora também se esfarela o dia:

cada floco de neve é uma trégua.

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