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Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)

09 setembro, 2008

O Eu Apócrifo de Diego Doncel


En Ningún Paraíso/Em Nenhum Paraíso, Averno, 2007
Tradução de Joaquim Manuel Magalhães

A ideia de fantasma colou-se-me a esta poesia. O estranho não é o outro mas aquele que se vê transformado numa figura que apenas tem o nome que os outros lhe dão. E aquele que é fantasma mais fantasma se torna cada vez que o diz (o que é perceptível ao longo do livro) e no tempo de invenção de si-mesmo, pois inventa-se a partir dos outros para poder usufruir de uma realidade que tem como destino (a que não deve fugir: um princípio moral):
«He tenido que inventarme quién era para, de vez en cuando,
Creerme en posesión de algo de realidad
» (pg.42).
Só que esta possessão é também esquecimento. Ir em direcção à realidade para a possuir é deslocar-se para fora do seu horizonte, a caminho de outro, deixando o seu poiso pronto para ser reocupado. Este duplo vazio, em si e atrás de si, presente e passado, é o do morto (e da agonia):
«y lo que no sé es si puede mourir un muerto» (pg.44).
Não ter presente, pois está em trânsito, é não ter futuro, apenas passado. Mas este passado já não é o do transeunte pois é apócrifo e está fora dele (pg.67): de um lugar de ninguém «para um lugar de ninguém» (título de um poema do livro).

A noção de fantasma atravessa toda a literatura moderna derivada da «brisa espiritual» que percorria a geografia técnica e influenciou os ofícios humanos. E desde então foi-se incrustando em muitas artes, nelas derivando, sobretudo, da separação do indivíduo e da sua desnaturalização. A não pertença a lugar nenhum, tão presente neste livro de Doncel (que sempre assume os seus textos como autobiográficos); o caminho tracejado para outro lugar (outra geografia afectiva) onde seja possível uma naturalização (impossível) ou, pelo menos, o seu re-conhecimento e identificação (a procura de quem sou) são sinais a partir dos quais se chega constantemente a um encontro com a morte.
Expressar os desertos («Ai de quem traz em si desertos», Nietzsche) e encontrar-se com o fantasma é o mesmo que encontrar-se com o seu desaparecimento. No poema «Testamento», fantasma, desaparecimento e deserto, marcam o percurso poético. A substância deixou de ser a identidade para ser algo (paradoxal) bem mais real como a areia que na brisa viaja entre línguas, pátrias e continentes. Sempre o deserto onde o Eu é um sonho falso que o mundo «maligno» inventou; um eu que não serve (pg.77).

Já sei que nada vai salvar-me (pg.83)

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