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Abra de alguma lucidez audível / o que nem sabe-se por palavras nem / na música caminha, nem o silêncio anuncia-o [...] (J.O.Travanca Rego)

27 setembro, 2006

A DIFAMAÇÃO

Pela primeira neste lugar vou escrever sobre o que ouvi. Sei, à partida, que isto vai dar para outros lados. Fui à Culturgest ouvir Steve Reich, Keiki Abe, Filipe Esteves, José Júlio Lopes, Zhou Long e Akira Nishimura. Este concerto, com mais dois, está integrado no festival «Expresso do Oriente» que a OrchestrUtopica produz e desenvolve com o apoio daquela instituição cultural.
No espaço reservado ao concerto, pouca gente, na maioria jovens que, pelas conversas do intervalo, pareciam saídos dos conservatórios e escolas superiores de música. Não é todos os dias que se ouve, no mesmo dia, música de origem tão diversa, que os instrumentos uniam. Não é todos os dias que o público de Lisboa pode assistir à apresentação de um novo grupo de percussão, o Lisbon DRUMMATIC, constituído por músicos português de alta qualidade (no meu entender de melómano fanhoso). E de repente, naquele pequeno grupo, dou comigo a pensar o que será feito daqueles que todos os dias escrevem que o estado não deve apoiar artes que só alguns entendem, que só alguns vêem, que só alguns ouvem. O que eles querem dizer é simples: o que o estado deve apoiar, com os nossos impostos, são peças, obras, livros ou espectáculos que nos sirvam. Como se a arte tivesse que ir a casa deles, como quem vai ao alfaiate, para tirar as medidas. E depois sim, a aprovação ou a reprovação. São os eleitos. Mas esta palavra está aqui desubstanciada. Os eleitos são os que não entendem a diversidade e se a entendem em teoria, dela não se aproximam e, se possível, reprovam-na ao longe. Alguns destes eleitos chegam ao ponto de escrever quais os romancistas ou artistas que não deveriam pertencer ao género.
Tudo o que se faz a partir do zero é feito com sangue, suor e lágrimas, e algum prazer. Estes eleitos apenas entendem a palavra suor, e mal. Na maioria das vezes é o suor dos outros que está em causa. Por atalho: desta categoria de eleitos faz parte a quase maioria dos organizadores do «Compromisso Portugal». Tal como os de cima em relação às artes, estes resumem-se assim: Estado, dá-nos mais coisas já feitas que nós encarregamo-nos de as fazer render.
O que falta a este resumo é sangue e lágrimas, e o prazer que começa no zero. Façam qualquer coisa antes da unidade para merecerem mais.
Voltei depois aos músicos, que a música nunca deixei. E ouvi que aquela energia tinha sentido, a força do que nasce à nossa frente. Quando o concerto acabou, apeteceu-me glosar António Nobre: que é feito do público e críticos do meu país que não vêm ouvir os seus artistas?!

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